A POLÍTICA BRASILEIRA E A TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS
Por Dânton Zanetti
Até meados da década de 70, com alarmantes
índices de criminalidade, a cidade de Nova York era conhecida como a “capital
do crime”, sendo considerada praticamente um caso perdido por especialistas em
segurança pública.
Philip Zimbardo, psicólogo e Professor emérito
da universidade norte-americana de Stanford, conduziu interessante experimento
sociológico ao abandonar duas viaturas de polícia idênticas em vias públicas
distintas. Uma no Bronx, bairro pobre de Nova York que contava com elevados
índices de criminalidade e a outra em Palo Alto, cidade rica e pacífica
localizada no Estado da Califórnia.
Em questão de horas, a viatura deixada no
Bronx foi completamente vandalizada, enquanto que a viatura abandonada em Palo
Alto se manteve incólume por mais de uma semana.
A equipe de estudiosos que trabalhava no
experimento, então, resolveu quebrar um dos vidros da viatura de Palo Alto,
que, em pouco tempo, também foi vandalizada.
Este estudo foi revalidado posteriormente por James
Q. Wilson e George L. Kelling, que juntos elaboraram teoria que deu origem ao
artigo científico intitulado “Broken
Windows” (Janelas Quebradas), publicado em 1982 na revista norte-americana The Atlantic Monthly, no qual
estabeleceram a seguinte proposição: Em um edifício com algumas janelas
quebradas, caso estas não sejam rapidamente reparadas, a tendência é que
vândalos continuem a depredá-las, e, eventualmente, invadam a construção,
passando a ocupá-la, transformando-a num abrigo para moradores de rua e
sem-teto.
Da
teoria em questão, é possível concluir que a desordem é fator da elevação dos índices de criminalidade e que o
combate aos delitos – por mais irrelevantes que possam ser – através de uma
política criminal de “tolerância zero” é capaz de desestimular novos delitos.
Em
outras palavras, a simples sensação de ordem é incentivo para a manutenção da
ordem.
Aqui,
fazemos a observação de que a política de “tolerância zero”, logicamente, não
deve ser interpretada de forma distorcida de modo a legitimar abusos próprios
de um sistema inquisitório e permitir práticas nefastas como linchamentos,
torturas e quaisquer outras práticas que violem direitos humanos. A sociedade (e
as autoridades) deve ser intolerante com o delito e não com a pessoa que o comete.
A
partir dessa reflexão, voltamos nossa análise ao cenário político brasileiro,
cabendo a ressalva de que para esta discussão não adotamos qualquer posição
político-partidária.
Sabe-se
que a corrupção no Brasil é endêmica, generalizada e pior, institucionalizada.
No
entanto, aquilo que acaba passando desapercebido é justamente o fato de que os
graves escândalos políticos que vivemos recentemente, como por exemplo, o
“Petrolão” – que atualmente recebe os holofotes da operação “Lava Jato”, um dos
casos judiciários mais emblemáticos da história do país, conduzido pelo Juiz
Federal Sérgio Moro – não aconteceram repentinamente, mas tiveram um início
modesto, em pequenos atos de
corrupção: as primeiras janelas quebradas.
Os
rios não ostentam margens largas já na nascente do córrego. O acidentado relevo
da terra cria obstáculos contra o avanço da água. No início, a fonte é
diminuta, mas, à medida em que as águas correm em direção à foz, seus leitos
vão ganhando força e se alargam, criam afluentes, novos braços e se espalham
cada vez mais.
A
metáfora acima serve a um fim meramente didático, pois essas “águas” na
realidade representam o fluxo do dinheiro que escoa dos cofres públicos,
custeado pelo contribuinte e desemboca em contas no exterior, em offshores e paraísos fiscais por conta
da corrupção. Mas o que realmente merece destaque é o fato de que a corrupção,
assim como um rio, nasce em pequenos atos.
Os
pequenos atos de corrupção que inicialmente passam desapercebidos, acabam dando
lugar a outros maiores e, à medida em que são “tolerados”, atingem cifras
milionárias.
O
edifício que até então tinha umas poucas janelas quebradas, com o passar do
tempo passa a ser irreconhecível, depredado pela incessante ação de vândalos.
Mesmo
efeito ocorre da relação do nosso país com a corrupção. No mencionado caso da
operação “Lava Jato”, conforme dados do Ministério Público Federal[1],
o prejuízo ao erário totaliza 6,4 bilhões de reais envolvendo pagamentos de
propina.
O
número causa espanto e faz surgir a pergunta: Como chegamos a valores tão
expressivos?
A
resposta, talvez, esteja na tolerância com as primeiras janelas quebradas e a
falta de uma política de “tolerância zero” para com os crimes de colarinho
branco, cuja impunidade apenas serve de estímulo para que novos atos de
corrupção continuem ocorrendo, até nos acostumarmos com a ideia de que a
corrupção já faz parte do nosso cotidiano (essa sensação é familiar, não?).
Com
efeito, a corrupção não deveria ser apenas mais uma das manchetes repetitivas
do noticiário, mas uma exceção e, certamente, a “reparação das janelas
quebradas” exige que os atos de corrupção sejam – todos – apurados e punidos.
Felizmente, conforme números apresentados pelo Ministério Público, 2,9 bilhões de
reais já teriam sido repatriados através de bens bloqueados pelo Poder
Judiciário.
Se alguma mensagem tiver que ser levada deste
texto, que seja essa: precisamos reparar as janelas quebradas e manter a casa
em ordem; a transformação deve partir de cada um de nós. As “pequenas
corrupções diárias” (como estacionar em local proibido, furar filas, deixar de
emitir notas fiscais), ao passarem desapercebidas, certamente darão lugar às faltas
maiores e delitos cada vez mais graves.
No caos não há ordem. Consertemos as janelas.
Dânton Zanetti, Sócio fundador do
escritório Zanetti e Oliveira Advogados Associados. Professor da Graduação do
Curso de Direito das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba – FARESC.
Palestrante. Graduado pela FAE Centro Universitário. Especialista em Direito
Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário
UNICURITIBA.
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Contatos: e-mail
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